quinta-feira, 22 de agosto de 2024

ADAM SMITH E A QUESTÃO ECOLÓGICA


(Foto de José Roberto Del Valle Gaspar) 

ADAM SMITH E A QUESTÃO ECOLÓGICA


A economia e a ecologia são de certa forma ciências irmãs. Etmologicamente suas raízes são iguais, ambas derivam, em última instância, do vocábulo oikos que significa casa. Quem primeiro organizou idéias sobre economia foi Aristóteles, que cunhou a expressão oikonomia, cujo significado tem a ver com a administração da casa ou a direção dos negócios de uma casa. a palavra ecologia é muito mais recente. Foi usada pela primeira vez pelo natura- lista alemão Haeckel, no final do culo passado, e traz na sua essência a influência semântica da economia, e seu significado está relacionado também com a arte de administrar uma casa, especialmente se considerarmos que esta casa é o nosso planeta.

Ambas as ciências são "ciências do convívio" e estão intimamente relacionadas. Apesar disso, são poucos os estudiosos que se preocuparam com essa relação dialética, sem perceber que a preservação do meio ambiente passa necessariamente pela transformão e aperfeiçoamento da estrutura econômica do planeta. Quando os ativistas do Greenpeace arriscam a própria vida na defesa de uma floresta, ou na tentativa de impedir a construção de uma usina nuclear, agem de modo correto, no sentido de evitar mais um dano ao meio ambiente e de sensibilizar politicamente as pessoas para a degradação crescente do planeta.

Mas esse ato esgota-se em si mesmo, se não está fundado e uma crítica sobre o padrão de acumulação vigente e numa nova teorização sobre as estruturas econômicas. Não há como postular o respeito ao meio ambiente diante de um sistema econômico mundial construído sobre os pilares do individualismo e do consumo desenfreado. Não há como esquecer que os postulados teóricos da economia liberal se sustentam em idéias construídas num tempo histórico determinado, em que a consciência da necessidade de preservação do espaço era nula.

Em 1776, um economista escocês chamado Adam Smith publicou um livro que consolidou as bases do liberalismo econômico. Em A riqueza das nações, Smith faz, de modo brilhante e incisivo, a apologia do individualismo e constrói um libelo em prol da livre- concorrência. Quando jovem, o nosso escocês havia se impressionado com uma fábula escrita pelo filósofo Bernardo de Mandeville, intitulada Fable des Abeilles, cuja moral implícita estabelecia que se cada abelha seguisse seu interesse próprio, sem se preocupar com as demais abelhas, a colmeia inteira seria beneficiada. Mais tarde, quando começou a pesquisar sobre as causas das riquezas das nações, Smith intuiu que poderia se passar o mesmo com a espécie humana. e criou a famosa teoria da mão invisível, que ainda hoje dá sustento às idéias liberais. Em linhas gerais, Smith estabelecia que cada homem ao individualmente em busca do seu interesse econômico específico agia também em benefício de todos, pois os interesses individuais livremente desenvolvidos seriam harmonizados por uma espécie de o invisível, e resultariam no bem- estar coletivo. A tese de Smith se situava no tempo como uma contraposição ao absolutismo, mas a apologia do interesse individual e a rejeição da intervenção esta tal na economia se transformaram em teses básicas do liberalismo.

A princípio, a teoria de Smith parece interessante não fosse a constatação inevitável de que há uma diferença fundamental entre as abelhas e os homens. Ocorre que as abelhas agem por instinto, estão programadas para perpetuar sua espécie e são incapazes de pôr em risco o equilíbrio ecológico. O homem, ao contrio, é o único ser na escala biológica capaz de destruir outro ser vivo não para alimentar-se como é a regra da natureza, mas para acumular riqueza e, o que é pior, é a única escie capaz de pôr em risco sua própria perpetuação, além de possuir a capacidade de destruir seu próprio hábitat.

Apesar disso, a origem do pensamento econômico dominante sustenta que devemos deixar o homem agir no mercado de acordo com seu irrestrito interesse pessoal, pois assim estaria beneficiando toda a sociedade. Vamos aceitar, portanto, que os empresários, na busca desenfreada de maximização do lucro, releguem todos os controles ambientais e joguem no mar, no ar e nos rios todos os detritos posveis já que há uma mão invisível com a fantástica capacidade de tornar todas as ações benéficas para a sociedade.

Ironias à parte, está claro que quando cada um age apenas de acordo com seu interesse pessoal o resultado pode ser a destruição do espaço de todos. É por esse motivo que se faz necessária a ação do Estado, como organismo regulador e ordenador das ações sociais. É por isso que não se pode basear a atividade econômica apenas na racionalidade privada, sendo indispensável existir uma instância institucional e política que, agindo sob a égide da razão pública, preserve o espaço de todos. O problema é como fazer isso, se essa instância representa a própria estrutura econômica ou é cooptada por ela. Se toda a estrutura econômica do planeta está fundada no pressuposto da racionalidade individual, na livre-concorrência, e na busca desenfreada pelo consumo, como esperar que a ação ecológica específica seja capaz de preservar o meio ambiente? A luta ecológica só se transformará em alternativa de poder se enfrentar o desafio de propor uma nova alternativa de estruturação econômica. É preciso, portanto, um novo paradigma que não contraponha economia e ecologia.

Enquanto esse paradigma não se constrói, só nos resta tentar impedir que, na ânsia de produzir cada vez mais mel, as abelhas destruam a colmeia.


Obs.: Do livro “A Última Tentação de Marx”, de Armando Avena Filho – 3ª Edição - ISBN 85-7316-164-7 - 1999

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